terça-feira, 12 de julho de 2011

4º dia - a despedida do Funchal

03 de julho
Hoje o dia começou pelas 8.30h.
Um automóvel e uma carrinha de caixa aberta transportam mais uma vez materiais e pessoas.
Desta vez o destino é a Prainha, no Caniçal.

Foto de Mafalda Freitas

 
A única praia natural de areia (negra, devido à origem basáltica), da Madeira.

Neste local, a tipologia de trabalho foi um pouco diferente, dado tratar-se de um local com sedimento móvel (areia), para além do substrato rochoso.
Foi, por isso, executada a amostragem de sedimento móvel (recolha de amostras de areia). Como era um trabalho distinto dos que já tinha experimentado, integrei este grupo.
A metodologia consiste em retirar o corer (a amostra) com o auxílio de um tubo de plástico. Mede-se a altura da amostra, no tubo; fotografa-se o local com ponto GPS e coloca-se a amostra num saco com identificação.




A triagem é, posteriormente, feita em laboratório.
O objectivo é determinar a presença de vida no sedimento. Para comparar resultados são feitas 4 colheitas: 2 em zona emersa e 2 em zona submersa.

Os outros grupos continuavam o seu trabalho na parte rochosa. As poças eram quase inexistentes, mas, mesmo assim, a recolha das equipas do DiverseShore e da Madeira foram frutuosas.


O trabalho parece sempre muito sério (e é!).
Paralelamente à disciplina e ao rigor destes estudos, existem frequentemente momentos de descontração, com notas de humor dignas de registo.

O "Júlio" biólogo
Ao fim do dia, foi tempo de arrumar a mochila e continuar as despedidas.
Saúdo, pela última vez, o Ilhéu do Gorgulho...


Vamos, finalmente, para o Creoula!


Deixamos as mochilas no convés e ainda temos tempo de ir jantar ao Funchal.
Despedimo-nos do Fred e da Inês.
Um casal indescritível: quer pela generosidade, quer pelo sentido de humor apuradíssimo.
Com eles, esteve sempre presente o pequenino Miguel, que, apesar de só nascer em Outubro, já insiste em acompanhar a mãe e o pai.

Temos que entrar até às 23.30h no Creoula.
Navegaremos até Porto Santo onde devemos fundear pela manhã.
A Sagres, atracada ao lado, convida a mais uma visita. Oportunidade aproveitada!
Acompanha-nos o Aspirante Zambujo, numa visita relâmpago.

Mais uma corrida. Entramos no Creoula mesmo em cima da hora.

É dada ordem para que nos instalemos.
Descemos à 1ª coberta onde ficam os nossos beliches.
Surpresa: terei de trepar à cama 10 - beliche no 3º piso - o armário fica ao lado, também lá em cima...
Perante a minha estupefação, surge imediatamente uma ajuda, de quem já estava no Creoula há muitos dias: "- Eu ajudo-te, não te preocupes."

A emoção está à flor da pele.
Observa-se grande azafama. Prevêm-se vagas de 3 metros até Porto Santo.
Há que fixar tudo o que possa deslocar-se.
No convés não pode ficar nada!

Excelente começo! Será que escapo aos enjoos?

Onde mais bela crina sacudida
Ou impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia
Ondas, p.71

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 9 de julho de 2011

3º dia (continuação)

02 de julho

À tarde, é tempo de triagem e armazenamento das amostras recolhidas. Estes são passos fulcrais no processo de identificação das diferentes espécies.
A sua sistematização consiste essencialmente em 3 passos fundamentais:
  • Triagem ou separação das amostras pelos diferentes grupos taxonómicos;
  • Conservação das amostras, recorrendo a diferentes métodos;
  • Etiquetagem das amostras contendo toda a informação relevante sobre a amostra e a sua recolha.
Este trabalho é iniciado com a organização do material onde se conservam/armazenam as amostras.
São centenas de frascos, sacos e etiquetas, muitos litros de soluções conservantes (alcool, kew, etc).




As amostras podem ainda ser conservadas, para futura análise, em frio (arca a -20ºC ou a 80ºC) e a seco (em sílica gel, azoto ou ar).

No momento da triagem, cada amostra é rigorosamente identificada.
Na etiqueta é colocado, em grafite (lápis), um código com um formato fixo, anteriormente definido, tendo em conta o carregamento desta informação na base de dados M@rBis. Este carregamento é feito diariamente, quer pela equipa de intertidal (a nossa), quer pela equipa que está a operar no subtidal (a equipa de mergulhadores que está no Creoula).


A informação da etiqueta é sempre replicada numa ficha de registo.



Mostro algumas imagens do trabalho desta tarde:

Frederico Almada a identificar peixes com o auxílio da lupa binocular

Henrique Queiroga a organizar as amostras de gastropodes
Mafalda e Raquel fazem o algário




O algário
Ao fim do dia, tivemos ainda a oportunidade de conversar com Henrique Queiroga, investigador da Universidade de Aveiro, onde pudemos compreender melhor o projecto DiverseShore.


Já noite dentro, fazemos diariamente um balanço da nossa experiência, enquanto professoras a bordo.




A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que fica das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Pirata, p. 25


Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 8 de julho de 2011

3º dia - Somos.

02 de julho
Sim, já somos um grupo.
E isso é determinante para o sucesso desta campanha.

O trabalho tem sido muito intenso, com poucos períodos de repouso.
O sono começa a acumular-se. Estamos a terminar as triagens cada vez mais tarde.

Para além da participação no trabalho de campo e no trabalho de laboratório do/as investigadore/as, há ainda muitas tarefas, directamente ligadas aos outputs necessários do programa "professore/as a bordo".

Há que manter o "Diário de Bordo" actualizado, ir construindo o blogue (na medida do possível), fazer balanços diários relativos às aprendizagens, encantamentos ou constrangimentos deste estreito contacto com o meio científico e com a sua arte/ofício.

A dinâmica que se instalou é, no entanto, facilitadora do bom entendimento e, por isso, de todo o nosso trabalho enquanto "professoras a bordo".

Neste dia, ao contrário do que se tinha previsto, devido ao mau tempo, não pudemos fazer a maré na costa norte.
Deslocamo-nos para a Ponta da Cruz.
Um local paradisíaco. Mais um.



O acesso era complicado e exigia alguma perícia.
Talvez, por isso, mantinha alguma biodiversidade.

Neste dia, troquei de grupo de trabalho: passei a intergrar a equipa do DiverseShore, fazendo colheitas de gastropodes.
Neste grupo, o método consiste basicamente em fazer colheitas, circulando aleatoriamente, durante cerca de 25 min, em cada um dos 3 andares: litoral inferior, medio e superior.

Terminado o trabalho de campo, recolhemos, mais uma vez à Estação de Biologia Marinha para, logo depois do almoço, proceder às triagens do material.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

2º dia - Vamos.

01 de julho
Alvorada às 05.30h da madrugada.
Involuntariamente, a minha colega, com excesso de zelo, programou o despertador cedo demais.

Fui até à varanda... lá estava ele: o Ilhéu do Gorgulho!



Depois de carregar todo o material e equipamento, saímos pelas 07.30h uma vez que o pico da baixa mar estava previsto para as 08.50h.


A Sara, o Manuel, o Ricardo e o Sérgio
A equipa da Estação de Biologia Marinha do Funchal revelou-se incansável, desde o primeiro momento.
Chegados à zona do intertidal dos Reis Magos, as equipas distribuiram-se rapidamente de acordo com o trabalho planeado no dia anterior.

As "professoras a bordo" foram integradas em duas equipas com trabalhos e objectivos distintos.




Coube-me participar no grupo da EMAM, com a Inês, o Frederico e a Sara.
Foi escolhido um primeiro enclave (poça).

Por momentos, senti que regressava à minha infância: horas a fio passadas pacientemente nas rochas das praias da zona do Oeste.
As poças são mundos fascinantes, também para os adultos!
O Frederico e a Inês, embora habituados a este trabalho, soltavam frequentemente expressões de grande entusiasmo e de espanto, pelos exemplares observados, mesmo os mais comuns...

Este grupo de trabalho tinha como objectivo fazer um levantamento da fauna ictiológica (peixes) de algumas poças.
Foi escolhida uma 1ª poça:
Eu fiquei encarregue das fotos com pontos GPS e, em conjunto com a Sara, recolhi e executei o levantamento das medidas da poça (comprimento mais longo, prependicular mais longa e maior profundidade).
Relativamente à fauna (conjunto dos animais) o Frederico fez a captura dos peixes (amostragem), para medição e identificação à especie (triagem). De seguida os peixes já identificados foram, novamente, libertados. Os que ficaram por identificar, foram levados para o laboratório, para triagem mais cuidadosa, frequentemente com auxílio da lupa binocular e de Guias de Campo mais completos.

A seguir ao almoço, descemos para o Laboratório e foi tempo de:
- medir
- fotografar
- completar as fichas de registo
- lavar o material colhido
- triar/separar os diferentes organismos
- etiquetar todas as amostras
- algumas colheitas de tecidos para estudos de DNA


Amostragem da fauna da poça nº1

A Sara e o Ricardo

A Raquel e o Henrique
Também o trabalho no laboratório foi fascinante.

Tenho experimentado o carinho com que os investigadores e as investigadoras nos explicam, pacientemente, cada passo do método que aplicam repetida e incessantemente. 

Não há dúvida: admiro profundamente o amor que esta gente coloca no trabalho que faz.
É fantástico poder partilhar estes momentos.

Reino de medusas e água lisa
Reino de silêncio luz e pedra
Habitação das formas espantosas
Coluna de sal e círculo de luz
Medida da Balança misteriosa


Reino, p. 35

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 5 de julho de 2011

1º dia - Partimos.

30 de junho
Estou finalmente a bordo, mas ainda de um avião.
Voo TAP 1627 com destino ao Funchal.




Objectivo: Integrar, entre 30 de junho e 09 de julho, como professora a bordo, a Campanha Oceanográfica organizada pela Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM).

Esta Campanha é apoiada pelo NTM Creoula, que saiu da Base Naval do Alfeite (Lisboa) a 19 de junho e regressará a 18 de julho.

A Campanha conta com o entusiasmo e a dedicação de 2 professoras a bordo:



Margarida André Zoccoli e Cristina Levita
 Cabe-nos seguir 3 etapas dos trabalhos:

- acompanhar as equipas de terra do Creoula, durante as amostragens e triagens no intertidal (zona entremarés) em 3 pontos, na Ilha da Madeira.
- acompanhar as equipas de terra do Creoula, durante as amostragens e triagens no intertidal (zona entremarés) em 2 pontos, na Ilha de Porto Santo.
- acompanhar o trabalho das equipas de mergulho do Creoula e participar nas triagens do subtidal ao largo de Porto Santo.

A CHEGADA AO FUNCHAL

Depois de uma aterragem bastante típica (muitissimo ventilada), espera-nos no aeroporto o Prof. Manuel Biscoito, Director do Departamento de Ciência da Câmara Municipal do Funchal, tendo entre outras coisas, sob sua alçada, o Museu de História Natural do Funchal e Estação de Biologia Marinha do Funchal. 


Já na cidade, somos ainda recebidos de forma majestosa, não só pelo Creoula como também pela Sagres, ambos fundeados na baía do Funchal.



Chegados à Estação de Biologia Marinha do Funchal (sede dos trabalhos na Madeira e alojamento para a equipa da EMAM), o grupo, constituído por representantes das equipas
EMAM/M@rBisDiverseShore e Estação de Biologia Marinha do Funchal (EBMF), reuniu para organizar as marés dos dias seguintes.


O dia termina tranquilamente na varanda da EBMF com uma vista soberba sobre o Oceano Atlântico onde o Ilhéu do Gorgulho repousa, inspirando quem ali trabalha.


Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

                                                                                    
Mar Sonoro, p. 16
Sophia de Mello Breyner Andresen 

um prelúdio... necessário

Inicío as crónicas de uma travessia jamais esperada, embora muito desejada.

É objectivo deste blogue levar, a quem o segue, as aprendizagens, as sensações, as emoções, os encantamentos e as zangas de quem acompanha um conjunto de proeminentes figuras do panorama científico português da área da Biologia Marinha, no seu dia-a-dia, em trabalho de campo.
Este trabalho está integrado na Campanha EMAM/PEPC_M@rBis/2011, a bordo do NTM Creoula.

É justo, nesta fase, recordar os nomes daqueles que tudo davam para me acompanhar nesta experiência, porque a sonharam também e para ela contribuiram: a Pipa, a Ana, a Andreia, a Beatriz, a Dalila, a Jaqueline, o João F., o João A., o Luís, a Márcia, a Mariana, o Miguel, a Patrícia, o Ricardo e a Tânia.

prepara-se a viagem